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23.8.04

Apologia da indistinção 

Existem n ateliers de design gráfico em Portugal, mais n agências de publicidade que também facultam esse serviço, mais n empresas com gabinetes de design incorporados, mais n designers freelancers, mais n aventureiros, que não sendo designers providenciam o serviço na mesma. Cada um deles concebe n projectos durante um ano, ao serviço de n clientes. Ora feitas as devidas contas, isto deve dar para aí uns milhares de objectos que nos chegam de um modo ou outro anualmente. De todos eles, cada um de nós consegue nomear, talvez um ou dois. Porquê?
Antes de mais compreendo que alguns possam não encontrar sentido nesta minha questão. Afinal o objecto de design serve para ser usado, momento passado o qual não interessa; ou importa exclusivamente para reciclar, ou como souvenir para alguns ou simplesmente mergulha no esquecimento. Mas o que fez então determinado objecto visual por um produto ou acontecimento? Que impacto social teve? Que vantagens económicas trouxe? Que sentido de comunicação efectuou e que nos é impossível lembrar agora?
Os designers hoje são contratados pela experiência que trazem, pelos nomes que guardam nos portfolios, pelos conhecimentos tecnológicos que armazenam, mas (quase) nunca por caracteristicas qualitativas verdadeiramente inerentes à sua profissão. Trata-se de um conflito a bem dizer. Hoje em design olha-se mais para o relógio e para o calendário do que para o trabalho em si, com sinceridade não se faz o melhor possível pelos projectos e na maioria dos casos, quem o faz até é o cliente (vamos ser francos), servindo o designer como um técnico à disposição com conhecimentos suficientes para uma finalização que se quer aprumada. Uma não compensa a outra, enfatiza-a.
Neste sentido proporciona-se uma construção de experiência profissional na mesma direcção para todos, homogeneizando qualquer propósito de distinção. Pedir um projecto ao atelier a, b ou c passa a ter igual resultado. Creio mesmo que se uma larga percentagem dos clientes fosse mais consciente em relação aos gastos que tem, deixava de trabalhar com empresas "grandes" com serviço de design gráfico, pois podia obter o mesmo resultado num local que lhe pouparia metade do orçamento. Aliás, ao pensar num serviço de design em termos comerciais, a diferença hoje faz-se exclusivamente pelo preço que se cobra (vamos lá a ser francos de novo); o serviço é semelhante na sua estrutura e pelos vistos no seu resultado.
Muitos são os que voltam de férias este mês para iniciar mais uma temporada a desperdiçar recursos em comunicações ineficazes, impróprias ou simplesmente descabidas. O problema está precisamente no facto de ser impossivel não comunicar, tornando por isso preferível, ou antes um ideal que hoje não se pode alcançar, o não fazer na vez de o fazer mal. Arrisco uma definição, ou antes uma anti-definição. Houve uma altura em que se avançou com a categorização de um suposto "bom" design, termo que ainda hoje desencaminha alguns quantos, que na sua ingenuidade pretendem atingir um qualquer patamar projectual, julgando com isso estar a subir ao cume da montanha. "Bom" design é coisa que não existe, a não ser nas histórias da "carochinha". Pelo contrário existe mau design, com a devida diferenciação; este está em todo o lado, é observável e advém sobretudo do estado em que o nosso processo de trabalho está imergido. Não é da responsabilidade exclusiva dos designers, mas acima de tudo de uma tendência para o desleixo e para a desresponsabilização.
Acautelemo-nos, pois então.

4.8.04

Útil, do Latim utile 

Tento ser alguém inquieto diariamente. Prefiro assumir uma posição consciente na minha profissão e como tal pondero constantemente sobre ela. Por vezes o pensar sobre uma determinada questão leva-me a alterar uma opinião ou a mudar um processo, outras serve exclusivamente para reforçar aquilo em que já acreditava.
Sempre me convenci de que a haver um propósito para a actuação dos designers seria a concepção de objectos nas suas variadas dimensões, que estes seriam consubstancialmente distríbuidos, adquiridos e utilizados por alguém e que estas premissas levariam a uma conclusão natural, de que os designers ao conceber esses mesmos objectos tivessem presente quem os iria utilizar.
Em termos de comunicação visual a ideia mantém-se inalterável, quando temos um projecto em mãos creio que pensamos em quem vai recebê-lo, mesmo que considere que sou o autor e que posso criar como quiser.
Relembro que a profissão de designer pertence à área dos serviços. Engana-se quem pensa que providenciamos um qualquer produto. Na sua generalidade os designers dispensam a execução final dos objectos, os quais terão que ser reproduzidos por meios industriais. Talvez se confunda quem hoje depende exclusivamente do seu computador pessoal e julga que o trabalho aí impresso é final; mas não é preciso um conhecimento profundo para deduzir o que é "arte final" e para que serve. No que importa é que o serviço que os designers prestam pressupõe alguém que o pediu e recebe.
Ao ver televisão apercebi-me do limbo pelo qual alguns colegas passam. Na 2: transmitiam o PopUp que incluía uma reportagem sobre design gráfico e sobre uma exposição na Fabrica Features. De referir que neste programa espera-se que se apresente, esclareça e divulgue um qualquer projecto.
Depositava grandes esperanças neste, que poderia aqui confirmar as minhas opiniões sobre o objectivo do design, que este projecto se preocuparia com alguém, com o "público-alvo" ou "target" (nomes tão queridos do ensino e da gíria projectual), que mesmo sendo para divulgação de nomes do design gráfico em Portugal, estes poderiam apresentar exemplos do seu trabalho e portanto, objectos de design.
Não.
E espante-se ou não o discurso verbal segue os condimentos do discurso visual, nas palavras de António José Seguro ao referir-se ao programa de Governo proposto por Santana Lopes, «um conjunto de banalidades», «um flop». Grave quando se afirma ser uma montra de novas tendências; já se tinha depreendido isso das imagens, mas era justo colocar a dúvida de nos escapar alguma coisa... mas não, de facto não escapou.
O design nasceu e cresceu como actividade devido a um simples facto: é útil. Se ainda existe, sobrevive e podemos argumentar a sua importância é porque é necessário a alguém, de preferência alguém que não exclusivamente o próprio designer, pois desvinculado de qualquer preocupação social, objectiva e de reprodução, afastado de um pensamento sobre o índividuo e a vida em conjunto, não haveria razão ou justificação para existir e seria um empecilho, pois outras actividades já ocupam essas mesmas funções.
Não nos deixemos por isso enganar, quando se vende em S. Pedro de Alcantâra, imagens que ostentam a expressão de Design Gráfico mas cuja única utilidade é pendurar em casa na parede, não estamos a falar de Design Gráfico; isto deve-se à confusão que alguém anda a espalhar. E vozes de burro não chegam ao céu...

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